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Um dos meus contos (comentem!)

A louca

–– Socorro! Prenderam-me aqui! Socorro! Foi o boneco! Foi o boneco! É ele quem comanda tudo aqui! É ele!

–– Já está na hora de tirá-la daí?
–– É melhor; senão vai acordar todo mundo. Acho que ela já aprendeu a lição. Não vai tentar fugir de novo, mas, como precaução, é melhor sedá-la novamente.
–– Está bem. Abram a porta!

–– Graças a Deus! Eu estava sufocando lá dentro! Foi o boneco, não foi? Ele me entregou! Ele me disse para fugir. Disse-me o que fazer e depois me entregou. Miserável! Vou quebrá-lo todo! Aquela mescla de Chuck com Pinóccio! Mas não o Pinóccio mimoso e bonzinho que a gente conhece. Um Pinóccio malvado e macabro com boca virada para baixo e sobrancelhas viradas para cima. Aquele boneco miserável me paga!
Mas não tenho coragem de enfrentá-lo. Ele me domina. Ajuda-me, me ameaça e me denuncia. Brinca comigo o tempo todo. Como o outro brincava antes de eu vir para cá. Aquele a quem não consigo chamar como os outros chamam. Uma palavra tão pequena... três letras. Uma consoante no início e duas vogais depois. Tão simples e eu não consigo falar. Nunca fui capaz porque nunca consegui relacioná-lo a esta palavra. Chamo-o de coisas mais complicadas. De desgraçado, depravado, miserável, malfazejo e outros nomes que não me lembro agora.
Ah, não! Cheguei no quarto e lá vem aquela agulha gigante me botar para dormir. Deveriam aproveitar os buracos que já existem nos meus braços ao invés de fazerem outros. Nem vou ter tempo de assassinar o boneco. E ele está ali me olhando. Aposto que quando eu apagar ele vai me maltratar como o outro fazia e como faz esse enfermeiro que me olha com essa cara... que nojo! Por isso cuspo nele. Cuspo em sua cara sempre que o vejo. Sempre sou castigada por isso. Ou na hora, com um tapa; ou depois, quando ele vem à noite, me lembrar que sou mulher. Mas nunca vou parar de cuspir. É uma das coisas que me dá prazer. Cuspir na cara dele e imaginar que estou matando o boneco.
Mas... acho que à noite o boneco não me faz mal. Reparei que ele não tem aquilo que faz mal às mulheres. É igual ao rapaz das três letras. Eu tirei! Por isso vim parar aqui. Riu toda vez que lembro e toda vez que alguém conta o porquê de eu vim parar aqui. Ninguém entende como pude fazer aquilo com “alguém tão próximo” a mim e “tão bondoso”, como muitos disseram... só eu sei, mais ninguém! Acho que nem a mamãe desconfiava... aquela tapada!

–– Ela já acordou?
–– Está acordando.
–– Aqui estão o café e os remédios.
–– Ela está emagrecendo muito... não se alimenta direito e os remédios a deixam sedada quase todo o tempo.
–– Não há o que fazer, Dona Consuelo. Ela está muito inquieta. Ontem à noite fui ver como ela estava e veja o que me fez?
–– Meu Deus! Está feio esse arranhão, hein rapaz!? É melhor fazer um curativo.
–– É ao que nós estamos sujeitos! Por isso acho melhor que os paciente violentos fiquem sedados. Ainda mais ela, que tem mania de perseguição. Acha que aquele boneco de madeira idiota está ameaçando ela e controlando a todos nós. Cada doido com sua mania...
–– É, acho que você tem razão... mas, não seria melhor tirar o boneco daí? Talvez ela se acalmasse...
–– Não, isso não iria acontecer. Ela precisa do boneco para se manter equilibrada. Já tentei tirá-lo, mas, além de ficar mais agitada, o que assumiu o papel do boneco foram as pantufas de coelhinho.
–– Ah, essa não tem jeito não. Só Deus...
–– Ah, é, dona Consuelo... só a divina misericórdia para salvar esta pobre alma. Deixa-me ir para o sacrifício e dar de comer a ela.

Aí vem ele. Esteve aqui ontem à noite e me maltratou que eu vi! Até tirei uns pedaços de sua pele. Mesmo tonta por causa da medicação, vi tudo. Desgraçado. Se ele trouxesse talheres eu o mataria com certeza. Iria à garganta e depois aos olhos. Mas ele é esperto e me faz comer com as mãos. Queria tanto ser homem... Sempre quis! Desde pequena, para espancar o homem das três letras. E agora para matar ele. Se eu fosse homem, o que ele faria comigo? Eu usaria meus punhos fortes e o socaria até a morte. E sentiria tanto prazer com isso quanto eles sentiram me maltratando. Talvez sentisse até mais. Talvez ficasse livre de vez.
¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬O boneco está bonzinho comigo hoje. Disse que ficou triste pelo que o enfermeiro me fez à noite e que queria me ajudar a acabar com isso. Ele pensa que eu não sei que ele está fingindo. Que está se fazendo de bonzinho para me maltratar. Para me entregar de novo. Ele disse: pegue os lençóis, amarre-os e jogue pela janela em determinado horário em que não há ninguém olhando. Depois que eu desci, ele fez o alarme e todos me encontraram.
Desta vez vou fingir que farei tudo o que ele disser. Não quero contrariá-lo, pois ele pode ficar irritado.
Já pedi ao enfermeiro para levá-lo, mas ele disse que o boneco é o vigia dele. Que o boneco diz a ele toda vez que ele pode vir me visitar à noite. Diz que eu digo ao boneco que quero que ele venha me maltratar, mas é mentira. Acho que o boneco jamais diria isso porque ele sabe o quanto eu sofro. Ele vê. A não ser que o boneco seja bem mais malvado do que eu imagino. Às vezes vejo o enfermeiro cochichar no ouvido dele coisas sobre mim. Será que o boneco acredita? Acho que não. Ele me conhece muito bem. Melhor do que o enfermeiro. Mas ele é malvado também. Os dois são. Por isso estou perdida.
O enfermeiro foi embora e o boneco pôs-se a me relatar o que ele disse que iria fazer comigo esta noite.
Disse que o enfermeiro planejava levar mais dois colegas para me maltratarem à noite, junto com ele. O que seria de mim, então? Decidi que não deixaria que me sedassem para que eu pudesse reagir. Mas como evitar a agulha? Os comprimidos eu conseguia dar um jeito de fingir que engolia, ou engolir e vomitar depois. Mas, a injeção era dada com a ajuda de três, às vezes quatro, enfermeiros. Eu não escaparia dela. Que fazer então? Ajude-me, boneco, por favor!
Ele me ajudou. Deu-me uma sugestão que me livraria daquele sofrimento para sempre. E eu tratei de fazer logo! O boneco enfim estava do meu lado. Ninguém agüenta ver tanto sofrimento, nem mesmo um boneco malvado.

–– Que aconteceu?
–– A do 301. Atirou-se da janela há poucos instantes.
–– Mas, a janela estava trancada, eu mesmo verifiquei. Saí de lá há pouco...
–– Ela deu um jeito de quebrar o vidro.
–– Mas, com quê? No quarto só havia a cama e o boneco. Nós tiramos tudo que representasse perigo.
–– Aparentemente quebrou com os punhos, a julgar pelas feridas nas mãos.
–– Pobrezinha... me pareceu tão mais tranqüila mais cedo... não imaginei que fosse fazer uma coisas dessas...
–– Parece que não fez sozinha.
–– Como?
–– No lençol da cama ela escreveu com o próprio sangue: “O boneco me salvou”.
“Risos”.


Aline Vitória, 2006

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