Aquela era a floresta tropical mais rica de todas. Possuía a maior biodiversidade e as condições ideais para criar e abrigar as mais diversas espécies de vida selvagem daquele tipo de ambiente. Como toda floresta tropical, possuía diversas camadas e altos índices de evapotranspiração, mas aquela era a maior e mais abundante em recursos hídricos e minerais. Por tudo isso, era de se estranhar que algumas espécies estivessem desaparecendo e não só de animais, mas de plantas e insetos também. Até as chuvas estavam mais escassas e os rios, menos volumosos ou mesmo poluídos. Alguns animais, como pequenos primatas e algumas araras, atribuíam aqueles fenômenos ao deus de todos os animais. Acreditavam que deus estava fazendo aquilo como forma de punição ou de aprendizado. Outros animais, como as corujas e os jabutis, pensavam diferente. Para estes, tudo aquilo era culpa dos próprios animais, que já não respeitavam as leis da floresta, desperdiçando recursos valiosos e aniquilando os animais que julgavam inferiores. De qualquer modo, o fato é que a floresta estava se deteriorando, estava morrendo.
Tudo começou quando os animais das camadas mais baixas passaram a frequentar outros ambientes da floresta. Os jabutis ainda caminhavam pelo chão e na lama, mas de vez em quando subia numa pedra alta para admirar um pouco a paisagem da sua bela floresta, que só via de baixo. Era tão fascinante aquela nova visão, que muitos jabutis passaram a subir nas pedras para contemplá-la também, observando o cair das folhas, o chacoalhar das árvores e a dança inebriante dos insetos voadores. Porém, os sapos, as cobras, os lagartos e outros animais que também costumavam subir naquelas pedras ficaram incomodados com a presença cada vez mais frequente dos jabutis por ali.
Em toda a floresta havia conflitos daquela natureza e a cadeia alimentar passou a ficar confusa, pois animais que eram consumidores primários queriam se alimentar dos que estavam acima deles. Outros papéis também pareciam se inverter, como ratos planejando comer as cobras, por exemplo. Um desses ratos era o rato arborícola Jamé.
Jamé era um rato comum, de pouca inteligência, mas grande ambição e, por ser um rato que vivia nas árvores, se achava superior aos outros e digno de estar muito mais acima na cadeia alimentar. Acreditava inclusive que poderia conviver
com cobras e raposas de igual para igual, afinal, conseguia manter amizade com algumas delas. No entanto, o que Jamé não sabia é que as cobras tinham um plano para acabar com os “privilégios” dos animais das camadas inferiores e que, para isso, precisavam dele.
Assim, as cobras encontraram apoio para o seu plano nos pequenos primatas, nas araras, nas raposas e em outros poucos animais que pensavam como elas. Eram poucos, na verdade, mas quando se uniam, macacos e araras principalmente, conseguiam fazer muito barulho e incomodavam a todos. Nessas gritarias, o pouco que se podia entender dos desejos dos manifestantes é que queriam mais ordem na floresta e que os animais de baixo continuassem embaixo e que os de cima tivessem o direito de matar os que queriam alcançar os lugares que consideravam seus. Se quisessem estar onde o rato Jamé se encontrava, deveriam evoluir ou merecer, sendo subservientes aos que lá já viviam por direito “divino”. Quando indagados sobre como ocorreria essa ascensão, os manifestantes pouco sabiam explicar sobre seus próprios planos e se limitavam a dizer que ficassem cada um no seu lugar até serem autorizados a subir.
Não demorou para que muitos animais quisessem ser como o rato Jamé, um animal que por natureza deveria viver em tocas no chão, mas que estava no topo das árvores. Queriam o direito legítimo de alcançar todas as camadas da floresta que pudessem sem morrer tentando, como já estava acontecendo com muitos animais.
As corujas e os jabutis lideraram muitas outras espécies de animais numa ação pacífica contra os ideais do chamado “grupo Jamé”, mas foram massacrados pelas artimanhas das cobras e das araras. As cobras usavam as araras para espalharem boatos pela floresta, dizendo que os jabutis tinham matado ovos de lagartos para inflamarem os ânimos e fazer com que estes fizessem o mesmo com os ovos dos jabutis. Diziam que as corujas estavam caçando cobras por esporte e que outros animais estavam destruindo ovos de passarinhos e outras infâmias de igual asco.
Os boatos destruíram a fauna da floresta em pouco tempo. Animais não mais matavam para comer, mas movidos pelo ódio e pelo sentimento de uma vingança que era fruto de mentiras. O ecossistema ficou desequilibrado. E essa situação se manteve por um certo tempo e com menos pássaros, mais insetos se proliferavam,
menos árvores nasciam e até as nascentes dos rios ficaram comprometidas com o excesso de carniça em seu leito. A floresta estava morrendo.
Jamé observara tudo aquilo extasiado. Compartilhava profundamente daquele sentimento que as cobras tinham por toda aquela desgraça. O chamado “grupo Jamé” havia alcançado seu objetivo, mas já não estava tão unido assim. As cobras estavam contentes com o trabalho que fizeram, mas não consideravam Jamé como um igual. Ele era tão perverso quanto elas, mas não tão inteligente. Era hora de livrar-se dele.
Os macacos já não sabiam mais o que pensar e muitos acreditavam que aqueles planos tinham ido longe demais. As araras já haviam quase todas abandonado o grupo, pois foram também muito prejudicadas naquela guerra estúpida, tendo perdido muitos ovos e muitos amigos. O grupo estava realmente esfacelado, mas o objetivo das cobras havia sido alcançado e agora era a hora de livrar-se de Jamé, pois além de ignorante ele era um rato extremamente irritante. O seu puxa-saquismo enojava até a mais vaidosa das cobras.
E foi num belo dia de sol que Jamé finalmente encontrou seu destino na boca da mesma cobra que lhe prometeu um lugar entre elas. Ele deu sorte, pois sua morte foi rápida, diferente de muitos outros animais que morreram esmagados entre os dentes dos jacarés ou dos que foram arremessados das árvores pelos macacos.
Agora, com recursos cada vez mais escassos, as cobras passam também a se alimentar daqueles que antes eram seus aliados e passam a sentir também as consequências dos seus atos malignos. No entanto, elas não se arrependem. Acreditam que foi tudo necessário e que a floresta deve permanecer assim para que elas não percam nem um centímetro do seu território ou dos seus privilégios. Preferem viver num ambiente destruído a ver outros animais usufruindo dele porque, ao que parece, essa é a sua natureza.